
A Inventiva dos Meios Tons de Rebolo
-...Aluguei com Rebolo Gonsales uma casa no Morumbi para os fins de semana. Era quase uma viagem, esse Morumbi de estradas lamacentas e íngremes. Do sensível paisagista suburbano do "Grupo Santa Helena" ao pintor e gravador delicado de hoje vai um longo caminho que ele percorreu sem pressa, assimilando todas as liberdades que pudessem não lhe perturbar a personalidade.
Pela libertação que alcançou, finalmente, pode-se verificar que essa personalidade não era feita sobretudo de ingenuidade, como parecia, e sim de sutileza e de matizamento. Ei-lo numa fase em que a sensualidade da matéria enriquece a economia das formas. A fonte de informação não abandonou seus temas prediletos. Simplificou-os, porém, mais ainda, tornando-os realmente pretextos para a expressão de um temperamento terno, carinhoso, de um lirismo sempre precavido contra os dós do peito. Uma das constantes da arte tem sido a riqueza inventiva, a capacidade de jogar da maneira mais variada possível com uma escala de valores extremamente simples. Uns apelam para os contrastes, outros para os acordes de meios tons. Esta solução, que leva a criação de uma atmosfera, é a que prefere Rebolo. Trata-se de um impressionista, sem dúvida, pelo seu desapego ao desenho, mas um impressionista que renova sua técnica, aproveitando as licença da linguagem de hoje. É, entretanto, um artista bem de São Paulo, tão paulista que até Veneza, de cores variegadas, e Roma, a luminosa, viu com olhos amorosos dos cinzas. Mestre De Fiori referia-se carinhosamente à "sujeira gostosa" das paisagens rebolianas. Mas acrescentava que elas nada tinham de inexperiência, antes resultavam de um conhecimento grande, consciente ou instintivo, do ofício.
Quando nosso artista ganhou o prêmio de viagem à Europa e embarcou para Roma, ficamos todos com receio de que voltasse desnorteado e com sua pureza já bastante conspurcada. Não foi o que aconteceu. Ele viu muito, estudou muito, e soube escolher sem perder sua originalidade.
Sérgio Milliet
O Estado de São Paulo, junho de 1961